terça-feira, 5 de junho de 2012

Destaque | DIABO NA CRUZ - ROQUE POPULAR - 2012 | Portugal


Género
Rock / Pop / Folk

«Vinde todos a terreiro! Vinde já ouvir o novel tomo dos mais celebrados jograis do roque lusitano. Bernardo Barata, B Fachada, João Gil, João Pinheiro e Jorge Cruz voltaram a congregar esforços e inspiração. Entraram no estúdio com os seus instrumentos musicais e de lá saíram com uma dezena de novas cantigas. Criações que, na companhia das cantigas de Virou!, cruzarão Portugal (de Trás-os-Montes aos Algarves, do interior profundo ao litoral que viu partir os nossos navegadores) e, quiçá, as sete partidas deste mundo. E prometem fazer rodopiar as saias das donzelas mais formosas e abanar as cabeças de nobres e plebeus. Entrai na dança, siga a rusga, minha gente!!»
Esta tentativa (falhada) de intro em linguagem mais ou menos antiga serve apenas para vincar que raras vezes o rock cantado na língua de Camões terá estado tão próximo das raízes musicais portuguesas e do nosso imaginário colectivo. O génio de António Variações, bem o sabemos, uniu o Minho a Nova Iorque em composições inesquecíveis, mas fê-lo com uma sensibilidade muito mais pop. É fascinante como a energia do rock e a urgência do punk casam na perfeição com os ritmos tradicionais, as expressões populares – como “não morremos hoje nem casamos amanhã” –, os sons de foguetes e o chamamento do amolador.
Tudo isto se encontra bem presente em Roque Popular, começando na garra destilada em "Bomba-Canção" ou "Baile na Eira" (as duas primeiras do disco e excelentes cartões-de-visita: tic-tac incendiário como um cocktail molotov e pogo dance para malhar no terreiro sem dó nem piedade) e desaguando na ilustração que Nuno Saraiva fez para a capa do disco.
Bem ao centro da acção, uma figura remete-nos para a vertigem de London Calling (Paul Simonon a partir o seu baixo em pleno concerto) e para uma das mais icónicas imagens do punk, fazendo a síntese e a ponte entre os dois universos, num caso sério de alquimia inesperada: estamos na presença de música urbana feita com o pés bem assentes na nossa terra e com potência suficiente para abrir fendas profundas no solo mais resistente.
Mas este Roque Popular não é feito apenas de paisagens trepidantes; os seus horizontes são abertos, vastos como as planícies alentejanas. Nele cabem momentos mais calmos, como a melancólica "Luzia" ou "Fronteira" (referência explícita à emigração, que tem sido a senha e solução de vida para muitos portugueses nos últimos tempos – o que acaba, aliás, por retomar um certo fado lusitano a que se costuma chamar diáspora) ou radio friendly, como o single "Sete Preces", que já anda a rodar por aí. Se o som do amolador costuma anunciar chuva, no final da funky "Estrela da Serra" antecede o surgimento dos "Pioneiros", esquadrão de elite que persiste em desbravar sem receio terrenos desconhecidos, «sempre prontos a agarrar o mundo inteiro». "Chegaram os Santos" arrisca um ska bem dançável e que se poderá tornar um caso sério de diversão, tendo todos os elementos necessários para ser um hino festivo-casamenteiro já no inicio do próximo Verão - à atenção das comissões organizadoras dos arraiais populares… e não cobro um cêntimo pela dica. E "Siga a Rusga", num portento de ritmo, antes de se escrever o “Memorial dos Impotentes”, espécie de epitáfio agridoce inscrito sobre este Roque Popular.
O grande equilíbrio (entre momentos para acelerar por aí fora e repousar o corpo e a cabeça, músicas para pintar a manta e refrões cantaroláveis) é um dos pontos fortes deste disco. O palavrão que me ocorre para o classificar é Música Moderna Popular Portuguesa, com a energia do (punk) rock a lavrar bem fundo nas nossas raízes. Melhor ou pior do que o seu antecessor, Virou!? Essa poderá ser uma questão debatida ad nauseam, uma vez que se tratam de duas obras excepcionais, mas uma coisa parece certa e segura: Roque Popular pega no ponto em que os cinco rapazes tinham chegado no disco de estreia e dá passos em frente.
E mesmo com este risco acrescido, pisa caminhos que o deverão levar a ouvidos muito variados, tornando Diabo na Cruz um nome familiar a bastante mais gente.

Depois da estreia com "Virou!", há três anos, "Roque Popular" é o segundo capítulo discográfico dos Diabo na Cruz. Um disco "mais rico, mais denso, com mais coisas a dizer" que "volta a pegar, sem preconceitos, na música de raiz", explicam dois elementos do grupo lisboeta ao SAPO Música. 

"As nossas raízes são o rock, mas ao longo destes dois, três anos de Diabo na Cruz fomos misturando outros elementos populares, que tanto podem ser da música mais tradicional como a das feiras, das festas, das romarias, enfim...", conta Bernardo Barata ao abordar os alicerces da música da sua banda - ou de uma das suas bandas, uma vez que o baixista também integra os Feromona.


Além de Benardo Barata, a formação atual dos Diabo na Cruz conta com Jorge Cruz (voz), João Gil (teclados) e João Pinheiro (bateria), que estão no grupo desde os primeiros dias, e Márcio Silva (viola braguesa), Manuel Pinheiro (percussão) e Sérgio Pires (cavaquinho e guitarra elétrica), as novas aquisições - baixas a registar, só a de Bernardo Fachada, que ainda assim permanece como "membro honorário".


Uma das maiores diferenças entre "Roque Popular" e o antecessor "Virou!" deriva mesmo deste novo formato dos Diabo na Cruz, realça o baixista. "Este é mais banda", aponta, considerando-o ainda um álbum "mais denso, com arranjos mais complicados". "Aqui ganhámos uma visão de conjunto, de coletivo. O próprio universo musical é mais profundo, mais entrosado", acrescenta João Pinheiro, atribuindo essa mais-valia à experiência de palco após a edição de "Virou!":


"Este disco vem da estrada, compusemo-lo em estúdio com muita estrada em cima, é resultado de uma banda muito habituada a estar em palco. Na verdade, Diabo na Cruz sem palco não faz sentido - o que fizemos em estúdio ganha aí uma dimensão plena", assinala. 


"O facto de termos tocado tanto no Alive como na vilazinha não sei das quantas também nos ajudou a perceber aquilo de que queríamos falar e a transpor para o disco em conjunto. O primeiro disco foi uma experiência muito diferente, com uma vivência mais individual. Desta vez partilhámos uma série de coisas que até aqui não eram tão óbvias", recorda Bernardo Barata.


Dessa partilha feita na estrada resulta um retrato de um Portugal redescoberto. "Todos nós gostamos muito do nosso país mas ao mesmo tempo somos muito críticos em relação a muitas das suas coisas e esse disco mostra isso: agora há mais acuidade na nossa visão em relação ao que se passa", destaca João Pinheiro.


"Roque" popular - o de ontem e o de hoje


Depois de visitar vários recantos do país, com uma agenda de concertos que percorreu mais de 100 palcos, o baterista tem alargado essa redescoberta ao plano musical. "Desde que estou em Diabo na Cruz, o meu interesse pela música portuguesa, que já não era pouco, aumentou exponencialmente. O disco que ando a ouvir agora é um dos Sétima Legião, que é uma banda que, há cinco ou seis anos, diria que não era bem o que me apetecia ouvir... e agora, de repente, fui pegar nesse disco ou em coisas antigas de Trovante, em todos os discos dos Gaiteiros de Lisboa...". 

Nomes como estes, ou como Fausto ou Banda do Casaco, são alvo de revisitação regular por parte dos membros dos Diabo na Cruz, refere o baterista. A aliança entre tradição e modernidade que os distinguiu mantém-se viva em discos como "Roque Popular", em que os Diabo na Cruz trabalham "uma língua e um património musical riquíssimos", sublinha João Pinheiro.

Num ano em que regressa aos palcos, a banda já apresentou o álbum em Guimarães ou no Porto e esta quarta-feira, 23 de maio, leva-o ao Ritz Clube, em Lisboa, a partir das 22h30. O resto do país é a meta dos próximos meses, mas haverá pelo menos uma incursão fora de portas, conta-nos ainda o baterista. "Vamos experimentar a primeira internacionalização dos Diabo na Cruz em Praga, na República Checa. Fomos convidados pelo festival Lusófona, que tem a ver com Portugal, e interessa-nos experimentar outros palcos. Mas para já o mais importante é fixarmo-nos aqui, onde as nossas raízes estão".


https://www.facebook.com/pages/diabo-na-Cruz/309932335470
http://www.myspace.com/diabonacruz

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